O quinto M (7 min)
Contei
o pouco dinheiro que tinha na carteira, como sempre, paguei minha cerveja e
acendi um delicioso cigarro do meu maço de apenas mais três restantes, levantei
do banquinho desequilibrado do bar e somente encostei os braços na bancada, ficando
de bruços para a porta de entrada.
Acho
que estava há três dias sem tomar banho, quem ligava?
Quem
ligava...
Já
estava na metade do meu amigo prejudicial, eu revirava os olhos cada vez que
puxava aquele gosto doce para meus pulmões, soltava a fumaça bem devagar e
imaginava nela: como a minha vida poderia ser se lá atrás eu estivesse aí para
o meu futuro. Quem ligava?
Ninguém.
Sempre
fui eu por mim mesmo e nunca reclamei, compunha minhas músicas e as cantava
pelos bares da cidade para ganhar o dinheiro suficiente de não morrer de fome e
nem de abstinência. Morava em um velho albergue em um beco desafiador na
entrada do centro na grande cidade, e gostava de lá, fazia dois anos que eu
tinha parado de dividir um apartamento com meu amigo, arrumei minhas malas e
comecei a morar de aluguel sozinho.
Por
quê? Não sei.
Só
queria ficar sozinho e fazer fluir alguma inspiração, já tinha quatro anos que
eu não bolava nem sequer uma música, só cantava covers e algumas de autoria do meu antigo colega de apartamento.
Um
lixo. Minha vida era morta, medíocre. Meticulosamente monótona.
Esses
eram os quatro m's do meu currículum vitae.
Aquela
seria minha última tragada, olhei bem para a ponta queimada do cigarro,
esvaziei os pulmões e levei os dedos em direção à boca, se não fosse pela palma
da mão mais macia que já senti em minha vida, sim, eu teria finalizado aquele
cigarro.
Ela
terminou para mim, sorriu com os lábios fechados e escorou os braços e lindos
seios no balcão, era praticamente perfeita, se não fosse educada demais comigo.
Era loira e tinha os olhos mais azuis que o reflexo do céu no mar.
Se
eu não fosse ateu, diria: Meu Deus!
Radiante,
essa era a palavra que a descrevia, usava uma calça jeans surrada, botas pretas
e uma blusa cinza que deixava o pequeno corte dos seios aparecer, nada vulgar,
ela era discreta e enigmática, dava mais vontade ainda de rasgar suas roupas,
que mulher estonteante e inteligente, durante as horas que passei junto dela,
não ouvi uma sandice, ela amava astrologia e coisas sobre a Segunda Guerra
Mundial, seu gosto musical era apurado e tinha um senso de humor inimitável,
com o pouco tempo que passei com ela senti uma chama queimar em mim de uma tal
forma que não aguentei o fato de meus lábios estarem longe dos dela, em um súbito
de louca atração, pus minhas mãos na curva proporcionalmente perfeita da
lascívia em minha frente, fechei os olhos e agarrei seus dourados cabelos com o
prazer exalando em minha pele, toquei de leve suas coxas, perfeitas, lindas,
macias. Ela então agarrou os pequenos dedos em meu cabelo, que como resultado
me fez soltar o ar vagarosamente pelas narinas. Como ela era impactante, não
aguentei vê-la me matando de desejo ali no balcão daquele bar, me senti tão
humilhado vendo ela me manipular tão facilmente e tão involuntariamente, aquilo
nunca havia acontecido, resolvi, então, convidá-la para ir à minha casa, sem
hesitar ela balançou a cabeça, pondo em movimento o lindo cabelo dourado,
entramos em um táxi que nos guiou ao meu "Lindo Lar". Ela nem se
importou com as condições, entrou na casa já tirando as botas e sentando em
minha cama ao lado da porta, estava sempre sorrindo e com um brilho no olhar,
de sacanagem coloquei um CD velho de Blues
e tive a melhor das reações, ela se levantou em um pulo e me tirou para dançar,
eu até arranhei alguns passos e resolvi parar, ela então me sentou de leve na
cama e começou a dançar sozinha que nem uma boba, era para eu ter achado aquilo
ridículo, mas achei lindo, ela ficava mais radiante enquanto dançava.
Foi
parando lentamente de mexer os braços e começou a tirar a alça da blusa, ela
era tão delicada quando queria me seduzir. Abaixou-a por inteiro, e pude ver os
mais lindos seios da minha vida, desceu-a até a cintura e subiu em mim
rastejando devagar, beijou meu trapézio e subiu os lábios até encostarem nos
meus, levei a mão até sua cintura e terminei de tirá-la da blusa, desabotoei o
lindo jeans, porém, desnecessário, deitei então em cima de sua barriga e pude senti-la,
aquilo foi delicioso, fizemos sexo à noite e madrugada inteira, nenhum de nós
se cansava, ríamos e finalizávamos tudo o que começávamos, ela era incrível,
mágica, diferente. Eu adorava isso. Depois de quase quebrarmos a mobília que
tinha em casa, deitamos no sofá e dormimos com a TV ligada no canal matinal, eu
não cansava de olhá-la, acariciá-la, de vez em quando tocava seus seios de
descia a mão até a curvatura da cintura, era perfeita, Art Nouveau feita de uma inspiração de verão, aquela era a fórmula
da mulher perfeita, ela dormia profundamente sobre o meu peito, vestia somente
minha camisa, foi tudo que um dia eu almejei achar.
No
vazio do tempo que rondava o apartamento, senti uma vontade louca de escrever,
tirei sua cabeça do meu peito levemente e fui até a mesa de canto da sala,
peguei um bloco e o lápis de um copo na bancada, escrevi uma estrofe e
completei com uma cifra genial, aquilo tudo borbulhava em minha cabeça, como
sopa grátis que servem às nove para andarilhos no centro.
Era
uma estrofe atrás da outra, terminei em dez minutos uma música que protelei
quatro anos para fazer, voltei com um sorriso de fora a fora para o sofá, com o
papel do bloco no bolso da calça, ela acordou logo em seguida e disse que tinha
de ir trabalhar, tirou minha camisa e andou nua até o quarto, voltando vestida
com a blusa nas mãos, ela sabia que eu adorava vê-la sem ela, me deu um beijo e
foi em direção à porta, ficou de costas e me deixou excitado só de vestir a
roupa e mexer o cabelo, nenhuma mulher me deixava assim pondo as roupas, só
tirando-as.
Ela
era diferente.
"Qual
seu nome?"
Esperei
com fé uma resposta, mas daquele tipo de mulher, era esperado o silêncio, mas
não, ela respondeu: "Kowalski, Mia Kowalski." Sorriu pela fresta da
porta e foi embora, me deixando digamos assim... Apaixonado.
Às
dez horas, fui ao mesmo bar tomar alguma coisa, porque já tinha colocado na
cabeça que ela havia feito sexo comigo, e não amor.
Quem
eu queria enganar?
Estava
louco para vê-la de novo. Tirei um cigarro do maço e coloquei na boca, procurei
o isqueiro que nem um idiota, com o cigarro pendurado pela secura entre os
lábios, ótimo... Havia perdido meu isqueiro, ia tirar meu amigo da boca quando
senti o cheiro de gás e uma luz na ponta do meu nariz, acenderam meu cigarro
com um isqueiro da bandeira alemã, me intriguei em olhar para o lado e ver o
dono do lindo isqueiro heróico daquela noite.
Era
os olhos mais azuis que o reflexo do céu no mar.
Estava
debruçada no balcão com a grande franja tapando metade do rosto, sorrindo como
sempre, aquela noite eu tive certeza de que ela não era mais uma, o que eu
sentia ao ver aqueles lábios puxados por um sorriso era algo diferente, ao
estar com ela senti a mesma vontade de escrever que tive de manhã em casa,
peguei o guardanapo molhado pelo fundo do meu copo de whisky, pedi uma caneta
ao balconista e comecei a escrever na parte seca, as palavras fluíam enquanto
ela me olhava e sorria sem entender.
Terminei
em menos de dez minutos uma música com quatro estrofes e dois refrões, era
incrível como ela me fazia bem. Pegamos um táxi e fomos para minha casa,
passamos outra madrugada incrível e ela adormeceu deitada em cima de mim. Era
estranho como minha inspiração atendia Mia, como um cachorro atende o chamado
de seu dono, durante três meses que ficamos juntos, escrevia quatro músicas por
semana, nunca me senti tão bem, tão vivo, ela era o quinto M do meu currículum
vitae, o M que fazia toda a diferença, o efeito dele anulava os outros, ela não
era rotina, ela era a parte boa que eu separava no prato para comer depois, no
bom sentido claro.
E
que fosse no malicioso também, eu amava aquela mulher, estava totalmente
viciado nela, no cheiro, nos seios, beijos, sexo, risadas, conversas, ela era a
fonte de onde eu tirava um balde de inspiração por dia, era notável minha
obsessão por sua presença, comecei a ficar insano, só pensava em tê-la para
conseguir me inspirar o suficiente para as músicas, eu a amava e precisava dela
para escrever, como uma espécie de amuleto. Certa noite ela me perguntou se
havia algo de errado comigo, pois estava farta dessa obsessão. Ela não era
inculta, entendia as coisas com facilidade.
Hesitei
em tentar explicar, fiquei com medo de uma interpretação errônea, mas olhei bem
para os olhos dela e disse que a via porque aquilo me despertava a vontade de
compôr, ela ficou quieta e suspirou fundo com as sobrancelhas franzidas, o
silêncio predominou por exatos dois minutos, ela levantou, pegou seu isqueiro e
o maço de cigarros da mesa, enquanto ela pegava suas coisas pude ver uma
lágrima salgada escorrer do mar em seus olhos, eu amava aquela mulher, mas sei
que passei dos limites, no contexto de tudo eu usava Mia, eu a amava, mas
usava, ela tinha virado uma fábrica de estrofes e cifras e só depois do fechar
da porta que eu pude entender isso, não era o que eu queria transmitir, mas,
era tudo o que de certa forma emanava de mim.
Fui
para o bar de sempre tomar alguma coisa, acendi um cigarro e bebericava a
cerveja enquanto fumava. Aquela seria minha última tragada, olhei bem para a
ponta queimada do cigarro, esvaziei os pulmões e levei os dedos em direção à
boca, se não fosse pela solidão, sim, eu teria finalizado aquele cigarro.
Amassei-o,
e sai.
Com
a certeza de que nunca mais, nem eu, e nem ela voltaríamos àquele bar.
Nota da imagem: Fotografia de Michal Bladek.
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