Morreremos Pérfidos (1 min)
Ouvi
dizer que somente um ser pedante cava uma cova em sua alma e enterra sua
loucura, no intuito de um dia desenterrá-la e achá-la mais contida, mais
calada, menos agressiva… com suas infinitas dúvidas sanadas. Que esta tentativa
de se tornar incólume era fajuta, e que iria dilapidar o único lampejo de
lucidez existente. Para estas pessoas, eu deveria libertar minha insanidade.
Mostrá-la sem receio das contestações e acusações.
Que
seres pérfidos são estes que isto me aconselham! Abusariam da minha pobre loucura.
Escutariam-na atentamente, para depois julgá-la e condená-la. Diriam a ela que
a marcha fúnebre não é bela, e sim grotesca, que o vermelho do sangue não passa
de hemoglobinas em variados estados de oxigenação. Diriam que minha caneta não
fere o papel, e sim a mim, e que meus ossos irão virar poeira. Matariam-na e me
matariam junto. E antes dela dar seu último suspiro, pegariam suas teorias e as
fariam suas…
Não,
morro misantrópico, sórdido, pedante, mas pândego. Aprendo a conviver com minha
insanidade no curto tempo de vida que tenho, e quando chegar à hora, não a
enterro somente, mas me enterro junto. Nos seus braços, dou-lhe o último ósculo
com vida. E assim, morremos os três: eu, minha insanidade e suas ideologias.
Anajúlia Marques Cunha
Nota da imagem: Fotografia de Zifeng Wei.
Texto publicado originalmente em 14.03.2014
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