The zone (3 min)
O imenso belvedere ao meu redor
estava completamente vazio.
Estranho.
Nunca havia visto este lugar
com menos de mil pessoas. O som misturado de carros com músicas e vozes de
dezenas de pessoas eufóricas. Óculos de sol, casais felizes, roupas de dois mil
reais e uma coca-cola.
É engraçado, conheci o lugar
quando era criança, na época, somente quem fazia voo livre ou morava por perto
(meu caso) o conhecia.
A contemplação acontecia de
forma mais pura antes da coca-cola, eu diria.
A multidão traz consigo algo um
pouco besta. Uma espécie de ideologia em que o senso comum vem e come seu rabo.
Ela não te aceita se você pensar um pouco diferente. O mundo pra multidão é um
arco-íris em preto e branco, onde todos que a formam são seres divinos.
Pra mim as coisas eram muito
mais cinzas. E muito mais humanas.
Apago a moto. Nenhum som.
Pequenas gotas de chuva
começavam a cair. Caminho em direção ao vasto gramado em frente.
Sinto frio.
Sinto muitas coisas.
Paro na grama onde sentei na
última vez que fui lá com alguém de algum passado.
Observo.
Uma grande massa de névoa
cobria todo o belvedere silencioso. Não podia ver absolutamente nada.
Lá estava eu numa quarta-feira ao
meio-dia, junto com o iniciar da chuva, no topo de uma montanha, completamente
sozinho, após percorrer alguns quilômetros de uma estrada de terra; sem a qual
eu não poderia contemplar a visão de todas as pequenas cidades, homens, pedras,
rios, formigas, putas e o que mais quer que haja lá embaixo.
Sorri.
A
estranha música começou. Era um convite.
Como
aquele momento místico em que você percorre uma estrada deserta, e em algum
instante os quilômetros por hora ultrapassam seus batimentos cardíacos por
minuto. Então você descobre algo.
The
zone.
O fora
e o dentro estão muito próximos de se tocarem.
Em
ambos, há o topo, há a solitude, há o vazio, e a névoa.
Não há
diferença entre os olhos estarem fechados ou abertos.
Sinto
tudo ao meu redor. Observo para onde as cidades se escondem atrás das névoas,
onde, ironicamente, em cada uma jaziam um, ou mais, amores mortos. Histórias de
vidas inteiras que tomaram doses diferentes de caminhos diferentes.
Vejo a
estrada que o avô do meu amigo trabalhou a vida inteira para construir. A base
de muito suor e inaladas de rapé.
Vejo, pela
montanha, meu quarto. Onde passo madrugadas inteiras sobrevividas à base de
nicotina e fé.
O tempo
é ressignificado. Poderia estar aqui há um ano ou há um segundo, não saberia
dizer.
Calmamente
abro os olhos e um breve trecho da névoa se abre para dar visão a um pequeno
pedaço do rio, justamente onde ele faz uma curva.
E já
não sei ao certo.
Se meus
olhos estão abertos.
12.04.2016
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